Devia
morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos
em fumo, por exemplo.
Ou em
nuvens.
Quando nos
sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de
novo todas as manhãs,
convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o
ritual do Grande Desfazer:
"Fulano
de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas.
Traje de passeio".
E então,
solenemente, com passos de reter tempo,
fatos
escuros, olhos de lua de cerimonia, viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de
mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus!
Adeus!"
E, pouco a
pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa
lassidão de arrancar raízes...
(primeiro,
os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em
vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo...
tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela
nuvem além vêem ? — nesta tarde de outono
ainda tocada
por um vento de lábios azuis...
José Gomes
Ferreira