sexta-feira, 24 de julho de 2015

Quanto vale uma ambição?

Esmagaste-me na cara as tuas ambições, 
amarraste-me as mãos com os teus segredos. 
Agora, o resto é uma fábula. 
Sou um anjo seguido pelos holofotes, num voo vertical, 
chovendo do céu como um saco de fadiga.

Joaquim Pessoa 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Acordar na cor

A equívoca condição do artista e o escândalo inerente à própria criação,
conduzem na sombra, uma vida itinerante de saber Ver.
Amplifica no olhar o abismo interior, 
colocar ao olhar alheio e sem rosto,
o drama do amor, do riso, do sofrimento, do julgar sem piedade.
Acordar na cor, 
sentir vida a brotar do nada é composição sem fronteiras.
Uma obra aberta é tábua rasa do querer demoníaco.

HHoje

Imagem - Johnny Robles. Street Art Miami

domingo, 19 de julho de 2015

Três paredes alinhadas

Desassombro também me trespassa a alma
em noites quentes de verão.
Três paredes alinhadas e uma desassombrada
Quisera manter em linha a quarta parede de pedra caiada
Mas o sal do interior espalhou-se
e desordenadamente me  foi desnudando.
Rendi-me mas não me tolhi ao medo
nem ao segredo
O amor transpira na minha pele
nesta noite quente de verão.
Desnudo-me e rendo-me ao meu pensamento
como ao encanto das cigarras em pranto.


HHoje 2015

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Na exacta medida

Viver só. Estar só até à morte. Ninguém quer conhecer-nos para nos amar. 
Defendermo-nos sem uma falha de atenção. Fechar a porta com duas voltas. 
E vir então para a rua. 
E ser quotidiano e medíocre. 
E ser amável.
Que te ignorem, te suprimam, em que é que isso te pode chatear? Está só, que estás bem. 
Reinventa aí toda a razão de viver. Que os outros sejam em público na grandeza para que nasceram. Não nasceste para isso. E vai-os olhando como espectros de um outro mundo. Conseguires ausentar-te totalmente e estares presente a ti próprio.
É quanto chega.
Sê todo em ti na exacta medida em que fores nada para os outros.


Vergílio Ferreira

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Do tempo

O meu passatempo favorito é deixar passar o tempo, 
ter tempo, 
aproveitar o meu tempo, 
perder o tempo, 

viver a contratempo.



Françoise Sagan

quinta-feira, 9 de julho de 2015

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Ritual do Grande Desfazer

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs,
convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:

"Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. 
  Traje de passeio".

E então, solenemente, com passos de reter tempo,
fatos escuros, olhos de lua de cerimonia, viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além vêem ? — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...


José Gomes Ferreira