quinta-feira, 28 de abril de 2016

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O contrário do que fiz

- Espera, disse ele.
Ela esperou. Meses depois, continuava lá sentada. Com uma rosa ao peito, segredando um ‘amo-te’. Enquanto esperava, nasceram-lhe flores de laranjeira nos cabelos. Mas ninguém a tomou nos braços, lhe disse de novo que era bonita e lhe pediu beijos para acalmar a dor de dentes. 
- Espera, disse ele.
Não. Desta vez ela não esperou.
E o banco de jardim ficou vazio.
HHoje

Civilidade


não tussa madame
reprima a tosse

não espirre madame
reprima o espirro

não soluce madame
reprima o soluço

não cante madame
reprima o canto

não arrote madame
reprima o arroto

não cague madame
reprima a merda

e quando estourar
que seja devagarinho
e sem incomodar, ok madame?

ok, monsieur.

Alberto Pimenta

domingo, 10 de abril de 2016

Re_Semblante

Uma página da vida que virou, 
tempestuosa e impulsiva. 
Anunciou a mudança que chegaria, 
com ira e indiferente.

Foi o caos nesse dia, 
lá fora ruíram os muros, 
cá dentro ruiu o coração. 
E agora, que fazer?

Aguento, ou parto numa longa viagem entre quatro paredes.
A minha força torna-se na fraqueza de outros, 
Serei uma marioneta dos Deuses, que me querem ultrajar. 
Ao virar uma página, torno-me maior. 
Serei água, serei fonte que invade o ser. 

Já não te esqueço. Serei fonte

HHoje

sábado, 9 de abril de 2016

Um beijo em dívida

Noites sem sexo são perfeitas, também: janelas entreabertas, sombras que passam na rua através das horas, relâmpagos que não chegam a iluminar as paredes do quarto. Românticos que se encontram depois de viver vidas paralelas, cansados – mas enlaçados antes que chegue a hora de partir, sem saberem se amanhã há outro sono igual, ou uma escolha para fazer. Os dois sabem que são doidos, estendem os dedos na escuridão entre as luas. Os dois sabem que mais adiante podem arder de repente no meio do Verão, consumidos pelos segredos e pela indiferença. Noites sem sexo são perfeitas, também; e raras, e condenadas e incompletas. Borboletas no estômago, batendo asas contra todas as paredes do corpo – não deixando que ele adormeça, inquieto e insatisfeito, voltado para dentro e para o passado. Românticos que se encontram quando nenhum deles esperava outra oportunidade, outro caminho. Nunca estamos preparados, diz um. Nunca estamos, repete o outro, quando a primeira borboleta sossega depois de um beijo em dívida.

Francisco José Viegas

terça-feira, 5 de abril de 2016

Poções diluídas

Tabaco, café, álcool, ácido prússico, estricnina — 
todos não passam de poções diluídas: o mais infalível veneno é o tempo. 
Essa taça, que a natureza nos põe nos lábios, possui uma propriedade maravilhosa que supera qualquer outra bebida. 
Ela abre os sentidos, adiciona poder e povoa-nos de sonhos exaltados, 
a que chamamos esperança, amor, ambição, ciência. 
Em particular, ela desperta o desejo por maiores doses de si. 
Mas aqueles que tomam as maiores doses ficam embriagados, perdem estatura, força, beleza e sentidos, e terminam em fantasia e delírio. 

Nós adiamos o nosso trabalho literário até que tenhamos maturidade e técnica para escrever, mas um dia descobrimos que o nosso talento literário não passava de uma efervescência juvenil que perdemos. 

Ralph W Emerson